Micrurus - Cobra coral
Classificação
Nome Popular: Cobra coral, coral verdadeira
Nome Científico: O gênero Micrurus compreende 18 espécies, distribuídas por todo o território nacional. Em Santa Catarina são mais comuns a Micrurus altirostris e Micrurus corallinus.
Ordem: Serpentes
Família: Elapidae
Micrurus corallinus (ação pré-sináptica): Possui a cabeça preta com faixa transversal branca. Seu padrão de coloração inclui anéis pretos margeados por anéis brancos e intercalados por anéis vermelhos. É uma das espécies mais comuns nas regiões Sul e Sudeste, principalmente no litoral. Seu tamanho médio encontra-se entre os 50 cm (machos) e 60 cm (fêmeas).
Micrurus altirostris (ação pós-sináptica): Cabeça com uma faixa vermelha, ou laranja, sobre a qual há duas escamas pretas, que formam um desenho semelhante a uma borboleta. Apresenta, ao longo do corpo, o padrão de três anéis pretos separados por dois anéis brancos (ou amarelos) e limitados por anéis vermelhos (ou laranjas). Seu tamanho médio fica entre 60 e 80 cm.
Descrição
Corpo dividido em anéis de cores vivas e contrastantes, como vermelho, branco e preto ao redor de todo o corpo. Tamanho em torno de 70 a 80 cm. Não possuem fosseta loreal. Apresentam a cabeça de forma oval, olhos pequenos e pretos. São de extrema importância médica no estado de Santa Catarina, pois causam acidentes, principalmente em animais e crianças com hábito de andarem descalças. Os acidentes são raros (0,5% dos casos), pois essas cobras não são consideradas agressivas, tem hábitos diurnos, vivem em tocas ou embaixo de folhagens e só atacam quando são tocadas. A identificação da espécie é importante, pois há diferentes condutas terapêuticas dependendo da espécie envolvida. Na impossibilidade de identificação, recomenda-se que qualquer cobra com as características de coral, seja considerada como verdadeira até prova em contrário.
Ações do Veneno
O veneno é basicamente composto por neurotoxinas. O principal mecanismo de ação do veneno elapídico decorre dos efeitos neurotóxicos na junção neuromuscular, com ação pré-sináptica ou pós-sináptica (conforme a espécie), levando à paralisia muscular:
- Neurotoxina com ação Pré-sináptica: Impedem a liberação de Acetilcolina na fenda sináptica da junção neuromuscular dos nervos motores. Presente nas Micrurus corallinus (comum na Grande Florianópolis).
- Neurotoxina com ação Pós-sináptica: Competem com a Acetilcolina nos receptores colinérgicos pós-sinápticos da junção neuromuscular. Agem de modo semelhante ao curare. Presente nas Micrurus altirostris e Micrurus frontalis. Nos envenenamentos onde predomina essa ação, o uso de substâncias anticolinesterásticas (edrofônio e neostigmina) pode prolongar a vida média do neurotransmissor (Ach), levando a uma rápida melhora da sintomatologia.
ATENÇÃO Todos os pacientes picados por Cobra coral ou com suspeita de envenenamento devem ser encaminhados para um hospital para tratamento específico e imediato. Risco de Insuficiência Respiratória Aguda. |
Manifestações Clínicas
Os sintomas podem surgir precocemente, em menos de uma hora após a picada. Recomenda-se observação clínica do paciente por 24 horas, pois há relatos de aparecimento tardio dos sintomas.
A paralisia flácida da musculatura respiratória compromete a ventilação, podendo haver evolução para insuficiência respiratória aguda e apnéia.
Manifestações Locais:
- As manifestações clínicas locais costumam ser discretas. Edema local é raro e, quando presente, costuma ser leve. A maioria dos pacientes envenenados refere parestesia e dor no local da mordida, de intensidade variável, com tendência à progressão proximal. Ausência de equimoses ou hemorragias locais.
- Marca das presas: podem ser encontrados dois ou mais pontos de inoculação, às vezes com o aspecto de arranhadura ou, ainda, não ser identificada nenhuma marca das presas. Deve ser salientado, porém, que a ausência de marca das presas é comum, e não afasta a possibilidade da inoculação da peçonha e do desenvolvimento de envenenamento sistêmico.
Manifestações Sistêmicas: Síndrome miastênica aguda, semelhante à observada na miastenia gravis. O início das manifestações é variável. De maneira geral, surgem poucas horas após o acidente (1-3 horas) e, quando iniciadas, tendem a progredir e agravar caso não se institua o tratamento adequado. As seguintes manifestações neurológicas podem ser observadas:
- Ptose palpebral bilateral, simétrica ou assimétrica, com ou sem limitação dos movimentos oculares;
- Dificuldade da acomodação visual, turvação ou borramento da visão, podendo evoluir para diplopia, por comprometimento da musculatura ocular extrínseca;
- Oftalmoplegia, midríase, anisocoria e nistagmo;
- Dificuldade para deglutição e mastigação, resultando em aumento da salivação;
- Diminuição do reflexo do vômito e ptose mandibular;
- Dificuldade para se manter na posição ereta, para se levantar da cama ou para deambular, por diminuição da força muscular, podendo evoluir para paralisia total dos membros;
- Dispnéia restritiva e obstrutiva, respectivamente por paralisia da musculatura torácica intercostal e por acúmulo de secreções, podendo evoluir para paralisia diafragmática;
- Outras manifestações: presença de parestesias generalizadas, disestesias, fasciculações musculares, dificuldade para falar, disfonia, afonia, paralisia facial, estridor laríngeo, hiperemia conjuntival, náuseas, vômitos, cefaléia, tonturas, euforia, incontinência urinária transitória, dor abdominal, dor torácica e sudorese profusa.
Diagnóstico
O diagnóstico é realizado pela visualização ou identificação da cobra coral e/ou quadro clínico dos efeitos neurotóxicos
Medidas frente ao acidente com cobra coral identificada ou não:
1.Pacientes com sintomas:
- Nos pacientes com sintomas sistêmicos, administrar 5 ou 10 ampolas de SAEla conforme classificação de gravidade (ver Quadro e Fluxograma).
- Muito importante manter a ventilação do paciente enquanto se providencia o soro ou transferir com suporte para ventilação para um local que possua o soro, pelo risco do paciente evoluir com insuficiência respiratória.
2.Pacientes assintomáticos:
- Manter o paciente em observação por 24h, se em 24h não apresentar sintomas, liberar.
- Importante: a observação hospitalar deve ser feita com reavaliação criteriosa de 30 em 30 minutos. Observando aparecimento de fraqueza muscular, mialgia, ptose palpebral, visão turva, diplopia, dificuldade para deglutir. Frente ao aparecimento de qualquer um destes sintomas, iniciar com SAEla 5 ou 10 ampolas.
3.Acidente em crianças:
- Pela dificuldade em avaliar parâmetros clínicos nas crianças e pelo risco de evoluir rapidamente para insuficiência respiratória considerar o uso de SAEla, mesmo na ausência evidente de sintomas sistêmicos.
- O CIT/SC tem relato de casos graves em crianças.
Tratamento
Casos de acidente por cobra coral, com manifestações clínicas sistêmicas de envenenamento, há indicação de Soro antielapídico (SAEla) aliada a medidas de suporte vital. Pela dificuldade em avaliar parâmetros clínicos nas crianças e pelo risco de evoluir rapidamente para insuficiência respiratória considerar o uso de SAEla, mesmo na ausência evidente de sintomas sistêmicos. O soro antielapídico não está disponível em todos os hospitais de Santa Catarina. Muito importante manter a ventilação do paciente enquanto se providencia o soro ou transferir com suporte para ventilação para um local que possua o soro, pelo risco do paciente evoluir com insuficiência respiratória. |
Quadro 1: Classificação quanto à gravidade, manifestações clínicas e as medidas terapêuticas recomendadas:
Classificação |
Manifestações Clínicas |
Tratamento |
Observação |
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Leve |
Presença de manifestações locais como parestesia e dor de intensidade variável com ou sem irradiação. |
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Moderado |
Além das manifestações locais, que podem estar ausentes, manifestações indicativas de uma miastenia aguda como ptose palpebral; diminuição objetiva da força muscular, porém sem sinais de paralisia. |
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Grave |
Sinais de fraqueza muscular intensa e paralisia evidentes, como dificuldade para se levantar da cama e para deambular; disfagia e salivação; respiração superficial, dispnéia até paralisia respiratória. |
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1. Específico: Soroterapia antiveneno - Soro antielapídico (SAEla)
SOROTERAPIA: As ampolas do Soro antielapídico (SAEla) devem ser diluídas em 100 ml a 200 ml de SF ou SG5%, para administrar-se por via endovenosa (EV), em 30 minutos, sendo o paciente monitorado pela equipe médica e/ou da enfermagem durante este procedimento.
MEDICAÇÃO PRÉVIA: Fazer 15 minutos antes da soroterapia:
- Anti-H1: Difenidramina 1 mg/Kg EV (máx 50 mg). Na indisponibilidade da Difenidramina, utilizar um anti-histamínico VO (como a Dexclorfeniramina ou a Loratadina).
- Corticóide: Hidrocortisona 10 mg/Kg EV (máx 500 mg).
Observação:
- Gestantes, mulheres amamentando e crianças podem receber a soroterapia específica normalmente, nas mesmas doses indicadas.
2. Geral:
- Analgesia dependendo da intensidade da dor.
- Em casos de insuficiência respiratória é fundamental manter o paciente adequadamente ventilado, seja por máscara e AMBU, intubação traqueal e AMBU ou até mesmo ventilação mecânica.
- Importante deixar o paciente em Hospital que tenha suporte de UTI caso evolua com insuficiência respiratória.
- Na falta total do SAEla e frente a sintomas de insuficiência respiratória em regiões que predomina Micrurus altirostris ou Micrurus frontalis, iniciar tratamento medicamentoso (neostigmina).
- Tratamento medicamentoso da Insuficiência Respiratória Aguda Grave com anticolinesterásicos (neostigmina):
NEOSTIGMINA: (metilsulfato de neostigmina; solução injetável, 1 ml = 0,5 mg; início da ação após injeção IV em 1-20 min.; vida média de 0,5-2 horas).
- Dose: 1-2 mg IV (crianças 0,01-0,04 mg/kg/IV). Em determinados casos, apenas uma dose é suficiente para a reversão completa dos sintomas. Havendo recorrência dos sintomas paralíticos, pode-se repetir a mesma dose, a cada 2-4 horas ou em intervalos menores, ou por infusão contínua, na dose inicial de 12 ug/kg/hora, adequando-se as doses de acordo com a resposta clínica de cada paciente.
ATROPINA: Deve ser sempre empregada antes da administração da neostigimina, tendo como objetivo antagonizar os efeitos muscarínicos da acetilcolina, principalmente a broncorreia e a bradicardia. A dose recomendada pode ser na razão de 0,25 mg de atropina (0,01-0,02 mg/kg/IV para crianças) para cada 0,5 mg de neostigmina.
Exames/Monitorização
Não há exames laboratoriais específicos para o diagnóstico do acidente com Micrurus.
Nos pacientes com dificuldade respiratória: monitorização da saturação de oxigênio por oximetria de pulso (SpO2) e medida dos gases arteriais. Nas situações graves, com paralisia respiratória e hipoventilação, pode ocorrer hipoxemia e retenção de CO2, resultando em acidose respiratória e metabólica, sendo mandatória a indicação de ventilação mecânica como medida de suporte vital. Deve ser considerado, no entanto, que o melhor parâmetro para a indicação de assistência ventilatória é clínico. Vários pacientes podem necessitar deste tipo de suporte antes mesmo que as alterações gasométricas sejam confirmadas, ao se detectar sinais de desconforto respiratório progressivo.
Prognóstico
É favorável, mesmo nos casos graves, desde que haja atendimento adequado quanto à soroterapia e assistência ventilatória.
Reação ao Soro
A soroterapia antiveneno não é um procedimento isento de riscos, havendo possibilidade do aparecimento de reações, que podem ser classificadas em precoces e tardias:
- REAÇÕES PRECOCES: A maioria ocorre durante a infusão do antiveneno e nas duas horas subsequentes. Geralmente leves, mas devem ser mantidos em observação, no mínimo por 24 horas, para detecção de outras reações que possam ser relacionadas à soroterapia. Os sinais e sintomas mais frequentes são: urticária, tremores, tosse, náuseas, dor abdominal, prurido e rubor facial. Raramente graves, semelhantes a reação anafilática ou anafilactóide. Nestes casos, os pacientes podem apresentar arritmias cardíacas, hipotensão arterial, choque e/ou quadro obstrutivo de vias respiratórias. Na presença de reações devem ser tomadas as seguintes medidas: suspender temporariamente a infusão do soro antiveneno e tratar as reações. Uma vez controlada a reação ao soro, a soroterapia antiveneno deve ser reiniciada. O soro pode ser diluído em SF ou soro glicosado a 5 %, numa razão de 1:2 a 1:5 e infundido mais lentamente.
- REAÇÕES TARDIAS: Também conhecida como Doença do Soro. Pode ocorrer entre 5 a 24 dias após a administração do soro antiveneno. Os pacientes podem apresentar febre, artralgia, linfoadenomegalia, urticária e proteinúria. Tratamento recomendado com corticosteróide: Prednisona, dose: 1mg/kg dia (máximo de 60 mg) por 5 a 7 dias.
Entregar a "Carta de Reação Tardia ao Soro" para todos os pacientes que receberam soro antiveneno:
Carta de Reação Tardia ao Soro
Fluxograma
Referências
BRASIL. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. 2ª ed. - Brasília: Fundação Nacional de Saúde, 2001. 120.Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos - 2001
CARDOSO, J.L.C. et al. Animais Peçonhentos no Brasil: biologia, clínica e terapêutica dos acidentes. 2ª Edição. São Paulo: Sarvier, 2009
Cobra Coral. Auxílio ao Atendimento. Monografias CIT/SC, 2017.
Fábio Bucaretchi, Eduardo Mello De Capitani, Ronan José Vieira, Cinthia K. Rodrigues, Marlene Zannin, Nelson J. Da Silva Jr, Luciana L. Casais-e-Silva & Stephen Hyslop (2016) Coral snake bites (Micrurus spp.) in Brazil: a review of literature reports, Clinical Toxicology, 54:3, 222-234, DOI: 10.3109/15563650.2015.1135337. OBS.: Artigo salvo em: Z:\BIBLIOTECA - GESTÃO DA INFORMAÇÃO\_ARTIGOS\Animais\Animais Peçonhentos\Serpentes\Micrurus.
Torres J.L.; Gasparelo K.R.; Muelhbauer E.; Barotto A.M.; Franco V.K.B.; Grando M., Resener M.C.; Correa I.A.C.; Albino D.B.L.; Zannin M.Envenenamento grave por serpente Micrurus corallinus em criança: Relato de caso. 2013.Envenenamento grave por serpente Micrurus corallinus em criança.
Ivana Leal Furlan, Cinthia Kunz Rodrigues, Jaqueline Fernanda Weber, Cilene Lesniowski Delgobo, Marlene Zannin. Acidente por Micrurus Corallinus em criança - Relato de caso. 2016. Acidente por Micrurus Corallinus em criança.
Protocolo clínico para acidente por serpente da família Elapidae, gêneros Micrurus e Leptomicrurus - “Coral Verdadeira”. Disponível em:http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2014/marco/13/Protocolo-cl--nico---Acidente-por-serpente-da-fam--lia-Elapidae.pdf. Acesso em: 14 de fevereiro de 2017.
Elaboração: Equipe CIT/SC
Atualizado em: Fevereiro de 2017.
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