Glifosato
Nome e Sinônimos
- Glifosato; N-(fosfonometil) glicina (Glyphosate)
Descrição
O glifosato (N-(fosfonometil) glicina, C3H8NO5P) é um herbicida sistêmico não seletivo. Possui vários nomes comerciais sendo o mais comum o ROUNDUP® da Monsanto. A partir da introdução dos grãos geneticamente modificados para serem resistente ao glifosato nos anos 90, passou a ser o agrotóxico mais intensivamente utilizado no Brasil e no mundo.
Classe/Uso/Apresentação
Classe: Herbicida
Grupo químico: Glicina substituída.
**Uso:**Pós-emergência das plantas infestantes nas culturas de algodão, ameixa, arroz, banana, cacau, café, cana-de-açúcar, citros, coco, feijão, fumo, maçã, mamão, milho, nectarina, pastagem, pêra, pêssego, seringueira, soja, trigo e uva. Aplicação como maturador de cana-de-açúcar. Aplicação como dessecante nas culturas de aveia preta, azevém e soja.
Apresentação Comercial: Formulações líquidas prontas para uso domiciliar (menos concentradas, aproximadamente 1% de glifosato) e formulações concentradas para uso profissional (>40% glifosato) que são mais tóxicas. Ambas contém surfactantes com o objetivo de aumentar a solubilidade e a dispersão do produto.
Toxicidade: O glifosato é citotóxico e mata as plantas inibindo a enzima 5-enolpiruvoil-shikimato-3-fosfato sintetase (EPSPS), responsável pela síntese dos aminoácidos aromáticos fenilalanina, tirosina e triptofano. As formulações comerciais do glifosato contém em associação, surfactantes de diferentes tipos e concentrações, que são em geral mais tóxicos que o próprio glifosato, sendo os responsáveis pela maior parte da toxicidade aguda reportada na literatura. Devido à variedade e complexidade destas misturas é difícil separar a toxicidade do glifosato da toxicidade dos surfactantes.
Exemplos de nomes comerciais e diferentes formulações para uso profissional:'''
Formulação | Nome comercial/Empresa | Classificação Toxicológica | Classificação Ambiental |
Glifosato sal de Isopropilamina''' | |||
ROUNDUP -ready, original, transorb®(Monsanto) | II | III | |
RADAR® (Monsanto) | II | III | |
GLIZ - plus, max® (Dow) | II | III | |
TRADICIONAL® (DuPont) | III | III | |
NORTOX® (Nortox) | III | III | |
Glifosato sal de Amônio''' | |||
DIRECT®(Monsanto) | III | III | |
FUSTA®(Monsanto) | III | III | |
ROUNDUP (ultra, WG)®(Monsanto) | III | III | |
STINGER®(Monsanto) | III | III | |
SCOUT® (Monsanto) | III | III | |
Glifosato sal de Potássio''' | |||
CRUCIAL® (Nufarm) | I | III | |
TOUCHDOWN® (Syngenta) | III | III | |
ZAPP® (Syngenta) | III | III | |
ROUNDUP (transorb)® (Monsanto) | II | III |
Classificação toxicológica: I - Extremamente II - Altamente III - Medianamente tóxico
Classificação ambiental: III - Produto perigoso ao meio-ambiente
Toxicidade Aguda
A exposição é comum, mas toxicidade grave é rara. Todos os pacientes que ingeriram intencionalmente devem ser encaminhados para avaliação médica. Crianças e adultos que tenham sido expostos a uma dose tóxica, ou aqueles que estão sintomáticos, devem ser encaminhados para avaliação médica. A ingestão de mais de 85 mL de formulações concentradas contendo como surfactante sal de isopropilamina tem potencial de causar toxicidade significativa. |
Manifestações Clínicas
INGESTÃO
- Pequenas quantidades cursam em geral apenas com sintomas de irritação do trato gastrointestinal: irritação da mucosa oral e garganta, salivação, náuseas, vômitos e diarréia, ocorrendo em geral dentro da primeira hora após a ingestão.
- Ingestão de 85 a 100 mL de formulações concentradas podem ter efeito corrosivo, com gastrite e esofagite.
- Ingestão de quantidades maiores, geralmente mais que 200 mL , podem cursar com lesões erosivas graves (grau 3) e hemorragia gastrointestinal, assim como efeitos sistêmicos: hipotensão, oliguria/anúria, acidose metabólica, alterações das transaminases e leucocitose. Confusão, coma, convulsões, arritmias, insuficiência respiratória e insuficiência renal podem ocorrer em casos graves, necessitando suporte ventilatório e hemodinâmico.
- Formulações contendo glifosato sal de potássio (ex: Crucial, Touchdown, Roundup Transorb R, Zapp QI 620) podem causar hipercalemia grave ou fatal se ingeridas em grandes quantidades.
INALAÇÃO
- Pode causar desconforto nasal ou oral e irritação da garganta.
- Queimaduras em faringe e laringe, assim como pneumonite química têm sido descritas ocasionalmente.
EXPOSIÇÃO OCULAR
- Contato ocular em geral causa conjuntivite leve.
- Ulcerações superficiais na córnea podem ocorrer se a irrigação ocular for tardia ou inadequeda.
- Dano ocular permanente é pouco provável.
CONTATO CUTÂNEO
- O contato com a pele causa irritação local.
- Queimaduras químicas são raras.
- O contato com a face pode causar edema e parestesias.
- Alguns casos de pênfigo vulgar (lesão bolhosa imuno-mediada) tem sido descritos.
INJEÇÃO
- Injeção de glifosato pode causar rabdomiólise, hemólise e falência renal aguda.
Tratamento
Tratamento da intoxicação aguda:
Ingestão de pequenas quantidades / sintomas leves:
1. Tratamento sintomático e suportivo, incluindo diluição ou irrigação da mucosa oral com água ou leite, assim como antieméticos e analgésicos.
2. Exposição acidental ou ocupacional com sintomas leves pode ser observada em casa.
Ingestão de grandes quantidades / toxicidade importante: (> 85-100 mL de formulações concentradas contendo como surfactante sal de isopropilamina):
1. Suporte ventilatório e hemodinâmico adequados.
2. O benefício da descontaminação gastrointestinal é incerto, e na maioria dos casos não é indicado para esta substância. Pode-se considerar lavagem gástrica em casos de ingestão de grandes quantidades dentro da primeira hora (não indicado se houver evidência de lesão de mucosa oral), porém não existe evidência comprovando que este procedimento reduz a absorção do produto.
3. Se não houver evidência de lesões de mucosa oral, considerar a administração de carvão ativado (50 g para adultos, 1g/Kg para crianças). Entretanto, não existe evidência suficiente de que as formulações de glifosato são absorvidas pelo carvão.
4. O Glifosato é excretado rapidamente pela urina. Assegurar hidratação vigorosa com volume urinário adequado é importante.
5. Todos os pacientes devem ser observados por pelo menos 4 horas após a ingestão. Pacientes assintomáticos podem ser liberados após este período com orientação de retornar no caso de aparecimento de sintomas.
6. Pacientes sintomáticos devem realizar exames complementares: hemograma, função renal, função hepática, amilase, eletrólitos e CK. Atentar para a dosagem de potássio nos pacientes que ingeriram formulações contendo glifosato sal de potássio. Considerar gasometria arterial em pacientes com rebaixamento do nível de consciência. Realizar eletrocardiograma com medida da duração do QRS e do intervalo QT.
7. Indicações de Endoscopia Digestiva Alta: salivação, dor, disfagia, vômitos ou estridor; evidência de queimaduras em orofaringe; ingesta intencional de quantidade substancial de material corrosivo. Havendo indicação, recomenda-se realizar a endoscopia precocemente (dentro das primeiras 24 horas), para avaliar a gravidade das lesões e o prognóstico. Deve-se evitar o procedimento entre 5 e 15 dias após a ingestão, pois é o período de maior fragilidade do esôfago.
8. Sintomas de injúria tecidual grave como dor abdominal intensa, distensão abdominal, colapso circulatório ou acidose lática podem indicar a presença de necrose ou perfuração visceral, com necessidade de tomografia de abdome e avaliação cirúrgica de urgência.
9. No caso de cardiotoxicidade (hipotensão, arritmias) não responsiva ao tratamento usual (hidratação, vasopressores, antiarrítmicos), considerar o uso de emulsão lipídica. Em adultos e crianças: 1,5 mL/Kg de Intralipid a 20% em bolus, seguido de 0,25-0,50 mL/Kg/min por 30 a 60 minutos, limitando a um máximo de 500ml iniciais. O bolus pode ser repetido 1 ou 2 vezes no caso de colapso circulatório ou assistolia.
Inalação:
1. Remover o paciente da exposição.
2. Tratamento sintomático e suportivo.
Exposição ocular:
1. Irrigação imediata abundante durante 10 a 15 minutos.
2. No domicílio, com aproximadamente 1 litro de água morna, gotejada diretamente no olho.
3. No serviço de saúde, com 1000 mL de solução salina a 0,9%.
4. No caso de sintomas persistente após 15 minutos da irrigação, o paciente deve ser avaliado por oftalmologista.
Contato cutâneo:
1. Descontaminação com água e sabão.
2. Tratamento sintomático conforme necessidade.
Injeção:
1. Tratar como ingestão de quantidades significativas.
2. Hidratação vigorosa.
3. Avaliação laboratorial quanto a rabdomiólise, hemólise e disfunção renal.
4. Avaliação cirúrgica se necessário.
Exames/Monitorização
- Pacientes sintomáticos devem realizar exames complementares: hemograma, função renal, função hepática, amilase, eletrólitos e CK.
- Atentar para a dosagem de potássio nos pacientes que ingeriram formulações contendo glifosato sal de potássio.
- Considerar gasometria arterial em pacientes com rebaixamento do nível de consciência.
- Realizar eletrocardiograma com medida da duração do QRS e do intervalo QT.
Toxicidade Crônica
Aspectos importantes:
1. Os herbicidas à base de glifosato (HBG) são os agrotóxicos mais utilizados no mundo, e sua utilização continua a aumentar progressivamente. Nos Estados Unidos, aproximadamente dois terços do volume total de Glifosato aplicado desde 1974 ocorreu na última década.
2. Os herbicidas à base de glifosato são formulações químicas que contém o ingrediente ativo (glifosato), assim como adjuvantes (ex: surfactantes) apresentados como componentes inertes e confidenciais. Estes adjuvantes têm se mostrado mais tóxicos que o próprio ingrediente ativo, e não foram incluídos nas avaliações de risco toxicológico durante o processo de liberação do uso destes produtos nos Estados Unidos nem tampouco como no Brasil.
3. Os HBG contaminam a água potável através da água da chuva, do escoamento de superfície e da lixiviação para águas profundas, tornando a água usada para beber, cozinhar e tomar banho uma possível fonte de exposição rotineira.
4. A meia-vida do glifosato na água e no solo é maior do que se considerava previamente. Estudos de campo têm reportado variações da meia-vida no solo de alguns dias a vários meses ou mesmo um ano, dependendo da composição do solo.
5. A presença de resíduos de glifosato e seu principal metabólito AMPA nos alimentos vêm aumentando progressivamente ao longo dos últimos anos. Os HBG são largamente utilizados em várias culturas que incluem milho, soja, canola, trigo e grãos comestíveis entre outros, resultando na presença de resíduos não apenas nos alimentos in natura, mas também nos alimentos processados, como por exemplo o pão. Praticamente toda a soja produzida com grãos Roudup Ready contém níveis elevados de resíduos.
6. A utilização dos HBGs no processo de dessecação pré-colheita tem sido um novo fator contribuindo para o aumento da frequência e dos níveis de resíduos em muitos alimentos à base de grãos. A aplicação é realizada uma a duas semanas antes da colheita, para secar os grãos, com o objetivo de antecipar e facilitar a colheita. Esta aplicação tardia resulta em níveis de resíduos muito mais altos nos produtos finais da colheita quando comparados aos de colheitas que receberam aplicações típicas nos estágios mais iniciais do ciclo de crescimento.
7. A progressiva emergência e disseminação de plantas “daninhas” resistentes aos HBGs, além de provocar um incremento progressivo nas doses utilizadas, vem provocando aumento do uso de herbicidas adicionais, incluindo substâncias mais antigas e de maior toxicidade, impondo maiores riscos ao ambiente e à saúde humana. Este problema é particularmente importante nos campos cultivados com grãos geneticamente modificados repetidamente por vários anos. Nos Estados Unidos, a contenção de plantas resistentes aumentou o uso total de herbicida por hectare em aproximadamente 70% para a soja e 50% para o algodão, em comparação com as taxas de utilização dos anos 90, quando as variedades geneticamente modificadas foram inicialmente introduzidas.
Consequências à saúde:
Carcinogenicidade: Em março de 2015, 17 especialistas de 11 países se reuniram na Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, Lyon, França) para avaliar a carcinogenicidade do Glifosato. Considerou-se que há evidência suficiente em animais e limitada em humanos de aumento de risco de Linfoma não-Hodgkin e outros tipos de câncer. O grupo classificou o Glifosato como provavelmente carcinogênico para humanos (grupo 2A).
Desregulação endócrina: Tanto o glifosato puro quanto os adjuvantes presentes nas formulações comerciais de HBGs possuem atividade desreguladora dos sistemas endócrinos in vitro, afetando múltiplos hormônios esteróides que desempenham funções vitais na biologia dos vertebrados. Sendo disrruptores endócrinos, os HBGs podem alterar o funcionamento de sistemas hormonais e a expressão gênica em variadas dosagens, em uma relação dose-resposta não linear. O impacto no sistema endócrino vai variar em sua natureza, gravidade e época de aparecimento, dependendo da fase evolutiva e dos níveis de exposição aos HBGs, dos tecidos expostos, da idade e do estado de saúde do organismo exposto. A exposição em momentos críticos do desenvolvimento, especialmente durante a vida fetal e a infância, pode desencadear uma cascata de efeitos biológicos que culminam muitos anos depois em uma doença crônica degenerativa. Esta exposição que pode levar a sérias complicações tardias pode se dar por apenas poucos dias em animais de vida curta, e durante poucos dias a vários meses em humanos. Há ainda incerteza sobre a dose necessária para causar os efeitos mediados por disrupção endócrina, mas várias publicações indicam que mesmo baixas doses, bem dentro dos níveis corriqueiros de exposição humana da atualidade, podem ser suficientes. Dentre as várias consequências comprovadas da desregulação endócrina encontram-se a infertilidade, puberdade precoce, endometriose, câncer de mama, próstata, testículos e ovários, disfunção sexual, disfunção de tireóide e obesidade.
Disfunção renal e hepática: O Glifosato provoca dano oxidativo no fígado e rins de ratos através da desregulação do metabolismo mitocondrial, em níveis de exposição atualmente considerados seguros e aceitáveis pela agências reguladoras. Os níveis de glifosato de seu metabólito AMPA em amostras de tecido renal e hepático são 10 a 100 vezes maiores do que os níveis encontrados na gordura, músculos, e a maioria dos outros tecidos. Tem sido observado aumento na frequência de doença renal crônica grave em agricultores de áreas em que há uma combinação do uso intensivo de HBGs e consumo de água “dura”. Além disso, o glifosato é um agente quelante com capacidade de sequestrar micronutrientes metálicos essenciais, como o zinco, cobalto e manganês. Estes micronutrientes são cofatores enzimáticos, e sua depleção pode potencialmente contribuir para vários efeitos deletérios à saúde, especialmente em relação à função renal e hepática.
Disbiose intestinal: A ação antibiótica do Glifosato pode alterar o microbioma intestinal, favorecendo a proliferação de microorganismos patogênicos em humanos, animais de criação, animais de estimação e outros vertebrados. Um estudo recente demonstrou que resíduos de formulações comerciais de HBGs alteram a suscetibilidade de bactérias a seis classes de antibióticos. Além disso, os HBGs podem induzir fenótipos de resistência a múltiplos antibióticos em patógenos humanos, como E. coli e Salmonella. Como, tanto antibióticos quanto HBGs, são utilizados em larga escala em fazendas, animais de criação estão frequentemente expostos a ambos, o que provoca redução da eficiência dos antibióticos e aumento da diversidade de fenótipos de resistência bacteriana que podem ser transferidos para humanos.
Neurotoxicidade: Estudos em animais sugerem a possibilidade de neurotoxicidade induzida pelos HBGs através de múltiplos mecanismos, incluindo a disrupção da função de neurotransmissores pela similaridade de sua estrutura com a glicina e o glutamato.
Referências
Defarge N, Takács E, Lozano VL, Mesnage R, Spiroux de Vendômois J, Séralini GE, Székács A. Co-Formulants in Glyphosate-Based Herbicides Disrupt Aromatase Activity in Human Cells below Toxic Levels. Int J Environ Res Public Health. 2016 Feb 26;13(3).
Myers JP, Antoniou MN, Blumberg B, Carroll L, Colborn T, Everett LG, Hansen M, Landrigan PJ, Lanphear BP, Mesnage R, Vandenberg LN, Vom Saal FS, Welshons WV, Benbrook CM. Concerns over use of glyphosate-based herbicides and risks associated with exposures: a consensus statement. Environ Health. 2016 Feb 17;15:19.
TOXBASE®. Glyphosate. Disponível em: https://www.toxbase.org/Poisons-Index-A-Z/G-Products/Glyphosate/?UD=OK
MICROMEDEX®. Glyphosate. Disponível em: http://www.micromedexsolutions.com/micromedex2/librarian/PFDefaultActionId/evidencexpert.DoIntegratedSearch#
Elaboração: Equipe CIT/SC
Atualizado em: Junho de 2016.
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