Ir para o conteúdo principal

Cocaína e Crack

Nome e Sinônimos

Erytroxylon coca, cocaína, crack, bazooka.

Resumo

A cocaína é um alcalóide extraído das folhas de Erytroxylon coca. Como droga de abuso é utilizada principalmente via intranasal (aspirada pelo nariz, “cheirada”), injetada por via intravenosa e fumada sob a forma de “crack”. Pode haver adulteração com outras substâncias. As principais ações da cocaína são o estímulo do SNC, a inibição da recaptação neuronal de catecolaminas e os efeitos anestésicos locais. A dose tóxica é variável, dependendo da tolerância individual, da via de administração, presença de adulterantes e outros fatores. A maioria das intoxicações são leves a moderadas e cursam com: agitação, taquicardia, hipertensão, midríase e hipertermia leves a moderadas e respondem bem ao tratamento com benzodiazepínicos. No entanto há casos graves com várias complicações podendo afetar qualquer sistema orgânico, principalmente por alterações hemodinâmicas. O óbito é geralmente causado por uma arritmia fatal repentina, estado epilético, hemorragia intracraniana ou hipertermia. Todo paciente com suspeita de intoxicação por cocaína deve ser avaliado clínica e laboratorialmente.

Classe/Uso/Apresentação

Classe: Droga de abuso - Estimulante do Sistema Nervoso Central (SNC)

Apresentação: A cocaína é um alcalóide extraído das folhas de Erytroxylon coca, planta nativa da América do Sul. Para uso ilícito é preparada na forma de pó, pasta ou crack.

  • Pó (forma cristalina): Preparada dissolvendo o alcalóide em ácido hidroclórico para formar sal hidrossolúvel, o hidrocloreto de cocaína. Usada por via INTRANASAL ou diluída em água e utilizada por VIA INTRAVENOSA. É absorvida por qualquer mucosa e não é termoestável, não podendo ser fumada.
  • Pasta (bazooka) – sulfato de cocaína: É um subproduto do processamento da folha da Erythroxylon coca e pode ser FUMADA.
  • Crack: Obtido a partir da alcalinização do hidrocloreto de cocaína, sendo extraído desta solução pelo éter. Este composto é insolúvel em água, termoestável, vaporiza a temperaturas acima de 93ºC e pode ser FUMADO, sendo absorvido rapidamente pelas vias aéreas e pulmão.

Pode haver adulteração: mistura de lidocaína, talco, farinha, cafeína, fenilpropanolamina, efedrina, levamisol, entre outras substâncias.

Via:

  • INTRANASAL: Aspirada pelo nariz (cheirada)
  • INTRAVENOSA: Injetada por via intravenosa
  • FUMADA: Sob a forma de pedra de "crack"
  • INGESTÃO:
    • Ingestão de pó sem invólucro
    • Ingestão de pó com invólucro: Indivíduos conhecidos como "Mulas", que tentam contrabandear cocaína e poderão engolir grandes quantidades.
      • Body Packers: É a ingestão de grande quantidade de invólucros contendo cocaína para transporte.
      • Body Stuffers: É o usuário ou pequeno traficante que ingere pequena quantidade da droga para se livrar do flagrante policial.
  • Body Pushers: Drogas embaladas e introduzidas nos orifícios naturais – reto, vagina, ânus.

Toxicidade

'''Atenção: Todo paciente com suspeita de intoxicação por cocaína deve ser avaliado clínica e laboratorialmente.

A dose tóxica varia muito de acordo com a tolerância de cada indivíduo, a via de administração e a associação com outras drogas.

Uma “carreira” (nome dado a uma porção de cocaína preparada em uma superfície lisa para ser cheirada) tem, em média, de 30 a 40 mg.

Cada papelote de pedras de crack tem de 100 a 150 mg cada.

A utilização igual ou superior a 1 g de cocaína é potencialmente fatal. (vai depender da pureza da droga e também da tolerância individual)

Os invólucros ingeridos por body packers ou body stuffers podem romper e causar intoxicações gravíssimas e letais.

Pode haver adulteração: mistura de lidocaína, talco, farinha, cafeína, fenilpropanolamina, efedrina, levamisol, entre outras substâncias.

Mecanismo de Ação: A cocaína bloqueia a recaptação e promove a liberação de neurotransmissores (noradrenalina, adrenalina, dopamina, acetilcolina) nos sistemas nervosos central (SNC) e periférico (SNP). Há grande aumento na concentração de catecolaminas nas sinapses adrenérgicas. Também age bloqueando os canais de sódio (efeito anestésico) e por estimulação de aminoácidos excitatórios (glutamato e aspartato) no SNC. Os efeitos de possíveis associações de drogas (álcool, contaminantes da preparação, anfetaminas, etc) devem ser lembrados.

O aumento da atividade simpática pode causar alucinações, convulsões, hipertensão e agitação. O vasoespasmo pode causar isquemia cerebral ou cardíaca e pode contribuir para a hipertensão. Estes efeitos podem ocorrer com doses recreativas de cocaína. O antagonismo do canal de sódio cardíaco ocorre apenas com a superdosagem de cocaína e atrasa a condução intracardíaca, causando diminuição da função miocárdica e desencadeamento de disritmias

Farmacocinética:

CINÉTICA DE ACORDO COM A VIA INÍCIO DE AÇÃO PICO DE AÇÃO DURAÇÃO
EV < 1 min 3 a 5 min 30 a 60 min
NASAL 1 a 5 min 20 a 30 min 60 a 120 min
FUMADO < 1 min 3 a 5 min 30 a 60 min
GASTROINTESTINAL 30 a 60 min 60 a 90 min Desconhecida

Metabolização: Metabolizada pela colinesterase hepática e plasmática e por hidrólise não enzimática. A maioria dos metabólicos são inativos, exceto por pequenas quantidades (2,6% a 6,2%) de norcocaína. Entretanto, a vasoconstrição coronariana tem sido atribuída a outros metabólitos inativos (benzoilecgonina e etilmetilecgonina) e ao cocaetileno, produto ativo do metabolismo conjunto de álcool e cocaína pelo fígado.

Meia-vida de eliminação plasmática da cocaína: 30 a 60 minutos no homem e a de seus metabólitos varia de 4 a 7 horas.

Meia-vida de eliminação do cocaetileno: 2 horas.

Manifestações Clínicas

INTOXICAÇÃO AGUDA:

Os sinais clínicos mais comuns são devidos aos efeitos simpatomiméticos da cocaína - síndrome adrenérgica ou simpaticomimética.

Manifestações típicas: euforia, loquacidade, ansiedade, insônia, agitação, movimentos estereotipados, disforia, ansiedade, insônia, delírios paranóides, psicose (usuários crônicos), tremores, distonia, crises epilépticas, hipertermia, diaforese, midríase, cefaleia, náuseas, vômitos, dor abdominal, hipertensão arterial, taquicardia, dor torácica.

Lesões de mucosa e septo nasal podem estar presentes no uso crônico.

Outras manifestações podem ser causadas por adulterantes ou por associação com outras drogas ou medicamentos. O uso de cocaína e etanol gera um metabólito tóxico, o cocaetileno, que foi associado com um risco significativamente aumentado de morte súbita.

Intoxicação leve a moderada

A maioria das intoxicações são leves a moderadas e cursam com: agitação, taquicardia, hipertensão, midríase e hipertermia leves a moderadas e respondem bem ao tratamento com benzodiazepínicos.

Intoxicação grave

Pacientes com toxicidade grave podem apresentar, além das manifestações acima, convulsões ou agitação grave. Se não controlada, pode evoluir para hipertermia grave, rabdomiólise, insuficiência renal aguda, lesão hepática, coagulopatia e diminuição da função miocárdica. Várias complicações podem ocorrer e qualquer sistema orgânico pode ser afetado, principalmente por alterações hemodinâmicas. As principais são: hipertermia, rabdomiólise, crise hipertensiva, taquicardia ventricular, angina, isquemia/infarto do miocárdio, arritmia supraventricular instável, dissecção da aorta, pneumotórax/pneumomediastino, hipertensão pulmonar, trombose pulmonar, convulsões, infarto cerebral/medula espinhal, hemorragia/infarto do SNC, isquemia/infarto intestinal, infarto renal/hepático/esplênico, rompimento da placenta/aborto espontâneo.

O óbito é geralmente causado por uma arritmia fatal repentina, estado epilético, hemorragia intracraniana ou hipertermia.

Os invólucros ingeridos por body packers ou body stuffers podem romper e causar intoxicações gravíssimas e letais.

Tratamento

1. Medidas de suporte: Tratamento suportivo, monitorar sinais vitais, monitorização cardiovascular e respiratória.

O uso de benzodiazepínicos é fundamental para o controle da agitação, taquicardia e hipertensão.

2. Descontaminação: Medidas de descontaminação variam conforme a via e a forma.

  • Via intranasal, intravenosa ou fumada: Não há medidas para prevenir a absorção. Deve-se remover se há droga remanescente nos locais de administração (por exemplo, pó nas narinas).
  • '''Ingestão: '''A lavagem gástrica e o carvão ativado são utilizados apenas para os casos de ingestão recente, de grande quantidade de cocaína em pó, sem invólucros e se as condições forem apropriadas. Carvão ativado (1g/kg de peso corpóreo, dose máxima de 50g, diluindo-se cada 1g em 8ml de solução). Pacientes comatosos, ou não cooperativos para a passagem da sonda nasogástrica, proteger vias aéreas mediante intubação endotraqueal.
  • '''''Body packers ''''': Ingestão de grande quantidade de invólucros contendo cocaína. A lavagem gástrica é contraindicada, pois pode ocorrer rompimento dos pacotes. Deve-se fazer Carvão ativado via oral, em doses repetidas a cada 4 horas (1g/kg de peso corpóreo, dose máxima de 50g, diluindo-se cada 1g em 8ml de água) seguido de manitol via oral (100 a 150 ml) para acelerar o trânsito intestinal (pode-se inclusive misturar cerca de 100 a 150 ml de manitol com 250 a 300 ml de água junto com o carvão ativado). Considerar a irrigação intestinal total (não disponível em SC). Caso os pacotes ingeridos não sejam removidos por esses procedimentos ou suspeita de rompimento dos pacotes ou obstrução intestinal, poderão ser necessárias a laparatomia e a remoção cirúrgica.
  • Body stuffers: Habitualmente a ingestão é de pequenas quantidades e na maioria dos casos o paciente evolui assintomático. Pode-se realizar RX de abdome na tentativa de localizar algum "pacote maior". Caso não seja visualizado, é muito provável que a ingestão realmente seja de pequenos "papelotes" e neste caso, a evolução para quadros moderados ou graves é muito improvável. Pode ser realizada uma dose de carvão ativado por via oral, seguido de manitol 100 a 150 ml. Observar o paciente por 6 a 12 horas e se assintomático, pode ser liberado com orientação de retornar se sinais ou sintomas. Na ingestão recente de muitos “papelotes” contendo pedras de crack pode tentar-se antes a retirada endoscópica.

3. Sintomáticos:

  • BENZODIAZEPÍNICOS: Para o quadro adrenérgico leve a moderado - agitação, taquicardia, hipertensão, hipertermia - habitualmente o uso de benzodiazepínicos é suficiente para acalmar o paciente e aliviar a sintomatologia. O uso adequado pode evitar o desenvolvimento de rabdomiólise, hipertermia, hipertensão e convulsões.

- Dose Adultos: 5 a 10 mg de diazepam IV repetidos a cada 5 a 10 minutos até o controle das manifestações ou até 1 mg/Kg. Na impossibilidade de obtenção de acesso venoso, pode-se utilizar midazolam IM.

- Dose Crianças: 0,25 a 0,4 mg/kg/dose de diazepam IV repetidas a cada 5 a 10 minutos conforme necessidade, até o máximo de 10 mg.

  • CONTRAINDICADO O USO DE:

- Neurolépticos: Evitar o uso de haloperidol e clorpromazina

- Prometazina: Evitar medicamentos com ação anticolinérgica importante como a prometazina.

- Betabloqueadores: Não administrar betabloquedores (propanolol, esmolol, labetalol), pois podem criar uma estimulação alfa adrenérgica, associada a vasoconstrição coronariana e isquemia de órgãos alvo.

Para o tratamento de casos mais graves são necessárias outras medidas

A) Agitação: Administrar Diazepam EV em bolus (repetir até sedação). Também pode ser utilizado o midazolam. Evitar antipsicóticos (haloperidol, fenotiazinas)

B) Convulsões: Administrar Diazepam EV em bolus.

**- Dose Adultos:**Inicialmente 5 a 10 mg IV, ou 0,15 mg/kg IV até 10 mg por dose; pode ser repetido a cada 5 a 20 minutos conforme necessário.

- Dose Crianças: 0,1 a 0,5 mg/kg IV durante 2 a 5 minutos; até um máximo de 10 mg/dose. Pode repetir a dose a cada 5 a 10 minutos, conforme necessário.

Monitorar a hipotensão, a depressão respiratória e a necessidade de intubação endotraqueal. Considerar um segundo agente se as convulsões persistirem ou recorrerem após doses repetidas de diazepam. Se após 3 doses persistir a convulsão pode ser utilizado fenobarbital ou barbitúrico parenteral de curta duração.

C) Hipertensão: Geralmente é passageira e responde à sedação com Benzodiazepínicos. Para hipertensão severa não responsiva aos benzodiazepínicos:

- Nitroprussiato: Iniciar com 0,1 mcg/Kg/min (monitorar nível pressórico a cada 30 a 60 segundos durante o começo da infusão, que deverá ser contínua e constante, uma vez estabilizado monitorar a cada 5 min) – podem ser requeridas até 10 mcg/Kg/min.

- Fentolamina: Reservado para casos não responsivos à ação mais curta como o nitroprussiato. ADULTO: 5 mg EV, repetir quando necessário até controlar os níveis pressóricos; CRIANÇAS: 0,05 a 0,1 mg/Kg EV (max 2,5 mg) a cada 5 min até controlar os níveis pressóricos, se preciso a cada 2 ou 4 horas.

- Nitroglicerina: Pode ser usada além do nitroprussiato para controlar hipertensão (particularmente útil em pacientes com doença de artéria coronária ou parada cardíaca congestiva). ADULTO: iniciar a infusão com 10 a 20 mcg/min (aumentar com mais 5 ou 10 mcg/min a cada 5 ou 10 min até resposta).

*Contraindicado o uso de betabloquedores (propanolol, esmolol, labetalol), em pacientes intoxicados por cocaína, pois podem criar uma estimulação alfa adrenérgica, associada a vasoconstrição coronariana e isquemia de órgãos alvo.

D) Hipotensão: Infusão de Soro Fisiológico, se hipotensão persistir, administrar Dopamina (5 a 20mcg/kg/min) ou Noradrenalina (começar a infusão com 0,5 a 1 mcg/min).

E) Hipertermia: Controlar a agitação com Benzodiazepínicos EV. Reduzir a atividade física, remover o paciente para um local mais fresco, remover as vestimentas do paciente, aumentar a perda de calor borrifando a pele com água e colocando ventiladores no local. Pode ser utilizado gelo. Manter boa hidratação.

*Contraindicado o uso de Clorpromazina e Haloperidol pelo risco de diminuir o limiar de convulsão, piora da hipertermia, taquicardia, arritmias e indução de reações distônicas.

F) Arritmias: As taquicardias sinusais são tratadas frequentemente com Benzodiazepínicos porque são mediadas por excitação do SNC.

Arritmia ventricular: Obter ECG, monitorização cardíaca contínua e administração de oxigênio. Avaliar hipóxia, acidose e distúrbios eletrolíticos (hipocalemia, hipocalcemia e hipomagnesemia). A lidocaína e a amiodarona são geralmente fármacos de primeira linha em pacientes com comprometimento da função cardíaca. A amiodarona deve ser usada com cautela se uma substância que prolongue o intervalo QT e / ou cause torsades de pointes esteja envolvida na sobredosagem. Ritmos instáveis requerem cardioversão imediata.

- Bicarbonato de Sódio: Tratamento do alargamento de QRS e arritmias ventriculares associados ao uso de cocaína.

DOSE: 1 a 2 mEq/Kg repetido quando necessário. Monitorar gasometria arterial, mantendo pH entre 7,45 e 7,55.

- Lidocaína: Taquicardia ventricular e fibrilação ventricular [ADULTO (dose de ataque): 1 a 1,5 mg/Kg EV em pulsos. Para taquicardia ventricular/ fibrilação ventricular refratária, adicionar em bolus, 0,5 a 0,75 mg/Kg a cada 3 a 5 min (máx de 3 mg/Kg no período de 1 hora); ADULTO (dose de manutenção): 1 a 4 mg/min. Se arritmia periódicas, infusão em bolus de 0,5 mg/Kg (max 4 mg/min); CRIANÇA:inicialmente 1 mg/kg EV em bolus , seguido por infusão contínua de 20 a 50 mcg/Kg/min.]

-Amiodarona: Taquicardia ventricular estável, taquicardia ventricular polimórfica e taquicardia com complexo prolongado de origem obscura. Precaução quando envolver ingestão de antidepressivos tricíclicos, fenotiazinas, cloroquina e antiarrítmicos e quando o ECG evidencia alargamento de QRS ou prolongamento de QT secundário a overdose por cocaína. [ADULTO: infusão de 150 mg por 10 min, seguir com 1 mg/min por 6 horas e 0,5 mg/min. A infusão de mais 150 mg pode ser necessária em arritmias periódicas ou resistentes (máx diário 2 g); CRIANÇA: infusão de 5 mg/Kg em bolus (taquicardia ventricular sem pulso ou fibrilação ventricular). Infusão de 5 mg/Kg durante 20 a 60 min para taquicardias (max diário 15 mg/Kg). O uso rotineiro com outros fármacos que prolongam o intervalo QT não é recomendado.]

*Contraindicado o uso de betabloquedores (propanolol, esmolol, labetalol), em pacientes intoxicados por cocaína, pois podem criar uma estimulação alfa adrenérgica, associada a vasoconstrição coronariana e isquemia de órgãos alvo.

G) Isquemia miocárdica: Oxigênio, Benzodiazepínicos, AAS – 300 mg (se não há suspeita de dissecção de aorta), Nitratos (Nitroglicerina), se QRS largo usar Bicarbonato de sódio. *Contraindicado o uso de betabloquedores

H) Rabdomiólise: O tratamento inicial da rabdomiólise deve estar dirigido para o controle das alterações metabólicas (HIPERCALEMIA, HIPERTERMIA E HIPOVOLEMIA). Controle das convulsões, agitação e reações distônicas.

Hidratação vigorosa com solução fisiológica 0,9% é necessária mesmo sem evidência de desidratação. Manter o DÉBITO URINÁRIO pelo menos entre 2 a 3 mL/Kg por hora. Em casos severos administrar 500 mL de fluido por hora durante os primeiros dias. Monitorar evidências de sobrecarga de fluidos, síndrome compartimental, eletrólitos, CK e função renal.

A diálise precoce é a terapia de escolha para prevenir a insuficiência renal, caso os níveis de creatinina não diminuam com a hidratação adequada.

ATENÇÃO: Rotineiramente a alcalinização urinária não é recomendada (pode causar alcalose, hipocalcemia e hipocalemia). A menos que CK muito elevada (pelo menos superior a 5000 ou 10000)

I) Ansiedade/Psicose: Usar benzodiazepínicos via oral ou parenteral se necessário. Pode-se repetir a dose se necessário até a sedação ser atingida. Quando agitação extrema: Em adultos pode-se iniciar com Diazepam 10 mg EV, repetindo 5 a 10 mg a cada 5 minutos até a sedação ser atingida. Também pode ser utilizado Midazolam na dose de 15 mg EV. Para doses pediátricas ver tratamento das convulsões.

A hipoglicemia pode causar agitação e pode reproduzir a intoxicação aguda por cocaína. Realizar diagnóstico diferencial nesses casos. Obter níveis de glicose sangüínea e administrar solução de dextrose EV se necessário.

Lítio utilizado na intoxicação aguda por cocaína pode induzir psicose.

J) Angina: Nitroglicerina parece ser segura e efetiva nesses casos.

Terapia trombolítica deveria ser evitada em pacientes com infarto do miocárdio e hipertensão descontrolada induzida por cocaína, devido ao risco de hemorragia intracraniana

K) Diurese, hemodiálise e acidificação urinária não são efetivas para aumentar a eliminação da cocaína.

L) Outros sintomas e tratamentos específicos consultar monografias do Poisindex® e/ou Toxbase®.

4. Tempo de observação e critérios para internação e alta hospitalar: Todos os pacientes que necessitam de avaliação devem ser observados por pelo menos 4 horas após a exposição. Pacientes assintomáticos e com exames e ECG normais, podem então ser considerados para a alta com orientação para retornar se os sintomas se desenvolverem.

CRITÉRIOS PARA INTERNAÇÃO HOSPITALAR:

  • Alterações persistentes do estado mental, hipertermia significativa ou rabdomiólise, coagulopatias, acidose metabólica, hipertensão severa, dor torácica sugestiva de isquemia do miocárdio, falência renal ou hepática.
  • Risco de ruptura de pacote contendo cocaína, que pode ser letal. Todos os pacientes que ingeriram pacotes (mesmos os assintomáticos), ou na ausência de informações relativas ao tipo de material contido nos pacotes, devem ser hospitalizados para exames diagnósticos e evacuação dos pacotes ingeridos.

CRITÉRIOS PARA ALTA HOSPITALAR:

  • Paciente com agitação, taquicardia moderado ou hipertensão que são solucionados mediante observação ou intervenção médica mínima e sem alterações laboratoriais.
  • Quando todos os pacotes contendo cocaína forem eliminados. Este processo pode levar vários dias e pode requerer várias radiografias abdominais ou cintilografias para acompanhar a eliminação.

Exames/Monitorização

- Solicitar: '''Hemograma, plaquetas, uréia, creatinina, TGO, TGP, eletrólitos, parcial de urina, TAP, CPK, CK-MB, troponina, glicemia, gasometria arterial, eletrocardiograma (ECG).

- Avaliação radiológica é útil para avaliar a presença de pacotes de cocaína no TGI - Raio-X de tórax e abdomen.

- Confirmação da presença de cocaína, em análise qualitativa de urina, pode auxiliar no diagnóstico.

Análise Toxicológica: No laboratório do Hospital Universitário é realizada Triagem de Drogas de Abuso/Medicamentos onde pode ser detectada a presença de cocaína na urina. O método utilizado é o teste imunocromatográfico rápido, permitindo a detecção qualitativa em concentrações mínimas pré-estabelecidas.

a) Material: Urina

b) Coleta e preparo da amostra: 5 a 10 mL de urina devem ser coletados em um recipiente limpo e seco, em qualquer momento do dia, sem necessidade de preparação especial do paciente. OBS.: Sugere-se que a coleta seja realizada de maneira assistida.

c) Armazenamento da amostra: As amostras de urina podem ser armazenadas de 2 a 8°C por 2 dias antes da realização do teste. Para armazenamento prolongado as amostras devem permanecer em temperatura de -20ºC por 6 meses.

d) Transporte da amostra: O transporte deve ser feito o mais breve possível, em caixa térmica com gelo reciclável.

Obs. 1: Um resultado positivo indica presença da droga ou de seu metabólito, mas não indica os níveis de intoxicação.

Obs. 2: Um resultado negativo não assegura que a amostra está livre da droga. Os resultados negativos podem ser obtidos quando a droga estiver presente abaixo da sensibilidade do teste.

Fluxograma

Fluxograma.jpg

Fluxograma de Intoxicação Aguda por Cocaína

Relato de Caso do CIATox/SC

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA AGUDA APÓS USO DE COCAÍNA

Introdução: A cocaína é um alcalóide derivado da planta Erithroxylon coca, droga estimulante do sistema nervoso central, considerada ilícita na maioria dos países. Seu uso pode provocar hipertermia, convulsões, infarto agudo do miocárdio, arritmias e rabdomiólise. A hepatoxicidade pela droga é pouco descrita em humanos. Descrição do Caso: Paciente masculino, 24 anos, previamente hígido, foi admitido na emergência do HU/UFSC consciente, referindo ter inalado aproximadamente 0,5g de cocaína. Ao exame físico, apresentava palidez, agitação psicomotora, midríase, pressão arterial de 100/60 mmHg, pulso de 110 bpm, temperatura axilar de 38,9ºC, saturação de oxigênio de 98%, ausculta cardiopulmonar e eletrocardiograma normais. Foi solicitado suporte do CIATox/SC que indicou triagem toxicológica para drogas de abuso, sendo detectada apenas cocaína. O paciente foi internado com mialgias, hipertermia e oligúria. Evoluiu com insuficiência renal aguda por rabdomiólise, encefalopatia hepática, icterícia, hepatomegalia dolorosa e alterações progressivas da função e bioquímica hepática. À admissão, a alanina aminotransferase era de 120U/l, atingindo 12.835U/l no 2º dia. O RNI inicial era de 2,55 e o TAP tornou-se incoagulável com 48h de evolução. Outras causas de insuficiência hepática foram excluídas. No 3º dia após a intoxicação o paciente desenvolveu insuficiência respiratória e foi transferido para a UTI, onde permaneceu por 10 dias. Recebeu alta hospitalar após 21 dias de internação, com melhora do quadro clínico e laboratorial. Quatro meses após o evento mantinha discreta elevação das transaminases. Discussão: Anormalidades hepáticas são descritas em usuários de cocaína, mas não há evidência direta da hepatotoxicidade em humanos. Aventam-se fatores que aumentariam a susceptibilidade à hepatotoxicidade: indução enzimática prévia por álcool, fenobarbital ou paracetamol; déficits enzimáticos de butirilcolinesterase ou glicose 6P-desidrogenase; politoxicomania; associação com opióides; desnutrição; infecções virais crônicas. Neste caso, nenhum desses fatores esteve presente. A crescente demanda do uso de cocaína torna importante considerá-la em casos de hepatite aguda sem causa conhecida. A hipótese de alterações hepáticas em usuários de cocaína que chegam à emergência faz-se necessária, mesmo em pacientes assintomáticos.

(Relato de caso apresentado no XVI Congresso Brasileiro de Toxicologia - Belo Horizonte - 2009. Autores: MANARA, L.M.; FERRAZ, A.; HEIDEN, G.I.; CORREA, I.A.C.; BAROTTO, A.M.; NOVA, M.L.; ZANNIN, M.)

Folhas de Erythroxylon coca

Folhas de Erythroxylon coca

Cocaína em pó

Cocaína em pó

Body packer (mula) - Raio-x de abdomen mostrando grande quantidade de pacotes de cocaína

Body packer (mula) - Raio-x de abdomen mostrando grande quantidade de pacotes de cocaína

Involucro_body_packer_-5334-2018-.jpg

Invólucro contendo cocaína ingerido e eliminado por "body packer"

Bibliografia

ANDRADE, A. et al. Toxicologia na prática clínica. 2ª edição. Belo Horizonte: Folium, 2013.

MICROMEDEX Healthcare Series – POISINDEX - Cocaine. Dísponível em: http://www-micromedexsolutions-com. Acesso em: Março 2018.

TOXBASE. Cocaine. Disponível em: https://www.toxbase.org/poisons-index-a-z/c-products/cocaine/. Acesso em: Março 2018.

OLSON, K.R. Manual de toxicologia clínica. 6ª edição. Editora Artmed. Porto Alegre, 2014.

Revisado por: Equipe do CIATox/SC. Última atualização: Março 2018.